Ficámos todos muito agradecidos a Vítor Gaspar por permitir que uma boa parte do nosso dinheiro vá servir para financiar e capitalizar as empresas portuguesas. Isto significa que a sua excelente equipa, de grande valia técnica e politicamente aplaudida nas mais altas instâncias, nos tenha escolhido a todos nós - trabalhadores de rendimento suave - para substituir não só os sócios e accionistas, actualmente sem liquidez, como também todos os bancos nacionais, a braços com um longo processo de redução generalizada de crédito (desalavancagem).
Estamos portanto muito envaidecidos por nos ter sido dada esta oportunidade de fazer um pequeno sacrifício pela nossa economia, pois sentimos que temos pujança financeira para tal.
Por outro lado, estamos certos que qualquer redução no nosso consumo motivada por este ligeiro esforço adicional nos será devidamente perdoada. Igualmente, não duvidamos que o aumento do desemprego em que, por falta de sorte, possamos incorrer será considerado aceitável no âmbito desta recessão que teima em não nos largar.
A nossa vasta classe média baixa, que sempre deu provas de grande humildade e de enorme orgulho nacional, dá assim gostosamente um novo passo em frente para o bem de todos e fica disponível para novos desafios.
António Carvalho e Palma
Espectador Acidental
cronicas serias que sorriem sobre o mundo em que vivemos
quarta-feira, setembro 12, 2012
terça-feira, outubro 05, 2010
Basta!
Sinto-me a sufocar cada vez mais em Portugal, um país a descer seguramente para o terceiro mundo, com um povo ignorante, timorato e sem vontade própria, que parece viver à margem de toda a sua triste realidade, deixando que lhe façam tudo e o deixem cada vez mais atrasado e pobre. Eu nunca fui adepto do patriotismo do pastel de bacalhau e da sardinha assada, mas o patamar a que estamos a chegar - de total incapacidade de governo, de impossibilidade de qualquer base de civilização funcionar minimamente, faz-me desejar fugir daqui a sete pés. E o facto é que talvez o faça mesmo, pois quero ver se aplico o "quem não está bem muda-se". E eu não me estou a ver a pagar com os meus impostos o TGV, o Aeroporto, a nova Ponte sobre o Tejo, etc. etc. É que, qualquer pessoa, se não tem dinheiro que chegue para o dia a dia e se também não tem hipótese de alguma vez pagar os empréstimos que contraíu, então não pode gastar ainda mais, pois o mais certo é entrar rapidamente em insolvência.
Esta é a situação do Estado português que, pela amostra presente, só tem tendência a piorar.
Esta é a situação do Estado português que, pela amostra presente, só tem tendência a piorar.
sábado, março 13, 2010
Nós
Reparei hoje, de novo, que o meu cão está triste, bastante triste. Sente-se, por certo, cada vez mais velho com as suas patas a teimarem em não o deixar andar como ele gostaria.
Não posso fazer mais do que dar-lhe alguns remédios e a melhor comida possível.
Mesmo assim, vou-lhe descobrindo lampejos de alegria e alguns pequenos grandes prazeres - como dormir ao Sol e comer o seu biscoito preferido.
Tudo isto tem uma relevância absoluta no âmbito restrito do cão e do seu dono - neste caso, deste Labrador e eu - e não importa o seu carácter relativo na ordem geral das coisas.
O importante é que amanhã é mais um dia e é preciso aproveitá-lo.
Não posso fazer mais do que dar-lhe alguns remédios e a melhor comida possível.
Mesmo assim, vou-lhe descobrindo lampejos de alegria e alguns pequenos grandes prazeres - como dormir ao Sol e comer o seu biscoito preferido.
Tudo isto tem uma relevância absoluta no âmbito restrito do cão e do seu dono - neste caso, deste Labrador e eu - e não importa o seu carácter relativo na ordem geral das coisas.
O importante é que amanhã é mais um dia e é preciso aproveitá-lo.
domingo, março 08, 2009
Ser Rico
Quando tinha cinco ou seis anos (já lá vão um pouco mais de cinquenta...), lembro-me que uma tia minha arranjou uma bitola que rapidamente indicava quem era rico e quem não era. Dizia ela que era preciso ter mil contos, o que naquela altura era realmente uma verba astronómica. Pelo menos, para um miúdo como eu.
É natural que essa bitola tenha vindo a subir, de milhão em milhão até ao bilião (que para nós, humildes portugueses, nunca é referido quando se fala em mil milhões) e por aí fora até quase ao infinito.
Com crises ou sem crises, e com muitas dívidas a sustentar essa riqueza, é cada vez mais distante a hipótese de um mero cidadão vulgar como nós vir a ascender a esse patamar.
quinta-feira, outubro 25, 2007
Farmácias sorteadas
As farmácias são um negócio, aliás um excelente negócio, em paralelo com o papel decisivo de interesse público que representam.
O que eu não sabia era que seria adequado estipular em letra de lei que o sorteio é o mais indicado para determinar o vencedor de concursos públicos para abertura de qualquer nova farmácia. Mas a edição de hoje do Diário de Notícias, que teve acesso ao projecto de portaria do Ministério da Saúde, explica-nos isso claramente.
Com efeito, em primeiro lugar observam-se os parâmetros legais que são taxativos e que dão preferência a novos proponentes sem ligação a qualquer farmácia existente. Depois, será o sorteio que decidirá, que conforme estipula o diploma legal é a forma mais “equitativa, transparente e objectiva” que se pode encontar.
Não sei porquê mas acho falta de imaginação a mais e o meu (bom) senso tende a não aceitar isto.
terça-feira, outubro 23, 2007
Uma história de dois escritores
Penso não errar ao dizer que José Rodrigues dos Santos e Miguel Sousa Tavares são os escritores nacionais cujos livros têm maiores tiragens.
O facto curioso é que ambos têm, nesta semana, mais um livro nas livrarias. Do primeiro, saíu no sábado "O Sétimo Selo" e, do segundo, vai ser publicado "Rio das Flores" na próxima 5ª. feira.
Eu, que talvez espere muito desta última obra de Sousa Tavares, tenho também uma grande admiração pela capacidade de escrever rapidamente (incluindo as demoradas pesquisas) de Rodrigues dos Santos.
É que uma das maiores qualidades de um escritor (para além de outras, obviamente) é a fluência e este requisito está garantido por quem escreve livros interessantes (e longos) quase de seis em seis meses.
segunda-feira, outubro 22, 2007
Um problema anunciado
De repente, devido aos variados problemas que têm atingido o BCP (nunca me habituei a usar a nova designação de Millennium), o País depara-se com a possibilidade de uma fusão deste banco com o BPI. Ora, La Caixa é o maior accionista de ambos e esta instituição, que tem reforçado a sua posição, obviamente poderá querer ter uma participação ainda maior.
Naturalmente, eu não acredito que um eventual novo banco assim criado, que seria o maior da nossa praça, possa ser controlado por um banco espanhol. É que os centros de decisão nacional, para certos casos, não são uma palavra vã!
Vai haver muita "negociação" de altíssimo nível com muitos intervenientes, onde provavelmente a Caixa Geral de Depósitos poderá ser a base da solução.
domingo, outubro 21, 2007
Uma pessoa corajosa
Quando o Procurador-Geral da República, figura de grande idoneidade nacional, nos vem confidenciar que o seu telefone pode estar sob escuta, sem ele saber, é mais um bocado do nosso castelo de areia que se esboroa – a juntar a muitos outros casos e situações – e nos faz descrer mais um pouco da sociedade em que vivemos e dos valores que nos regem.
Não quero acreditar que algumas coisas graves que ele disse na entrevista ao Semanário SOL fossem somente um palpite ou uma convicção. Mas as críticas profundas que expressou sobre várias entidades, levam-me a ter esperança que, com o seu estilo franco e voluntarioso, possa fazer muito mais pela nossa justiça do que os seus antecessores.
sábado, outubro 20, 2007
O progresso em Portugal
Nós somos mesmo assim: temos imensas coisas que são das melhores da Europa, imensas outras que são únicas no mundo e por aí adiante. Não há nada a fazer, somos uns exagerados convencidos e cheios de ilusões.
Vem isto a propósito de um caso ao mesmo tempo louvável e incrível. Tem a ver com a implantação de energias alternativas em Portugal e às condições de atraso dos locais escolhidos.
Efectivamente, “o maior parque eólico da Europa”, de 120 geradores, previsto para começar a funcionar em 2008 no concelho de Monção e arredores, parece ir dar escassas contrapartidas a determinadas Juntas de Freguesia. Que são exactamente as que irão ver o progresso ser implantado nas suas terras enquanto as populações continuam a não possuir abastecimento de água ao domicílio, a desconhecer o saneamento e a ter maus acessos rodoviários.
sexta-feira, outubro 19, 2007
A Hora de Portugal?
E a vida segue esplendorosa neste Portugal Presidente da União Europeia! Conseguimos o tratado, acho que o trabalho diplomático foi diligente e atento. Nem parece que estamos a caminhar para a cauda da Europa, pois não?
Mas não sejamos derrotistas, que diabo!
Também o novo Orçamento para 2008 põe o défice nos trilhos, mais uma vez para agradar a Bruxelas. Eu até acho bem que agrademos à Europa, o que eu já não acho tão bem é que seja a classe média baixa a pagar tudo. Sim porque somos nós mesmo que pagamos as contas todas. Isto para além das necessárias benesses de Bruxelas (só é pena que ainda tenhamos a mentalidade da "mão estendida").
Mas em termos de desenvolvimento, Portugal tem um problema grave. Adoptando sempre as mesmas práticas e efectuando escassso investimento tecnológico, não dá para esperar que os resultados (leia-se as nossas vidas) possam ser diferentes.
quarta-feira, outubro 17, 2007
Tempos difíceis
Ao mesmo tempo que, no seu conjunto, a economia mundial sobe, existem cada vez mais motivos de preocupação pela situação política internacional.
A queda do dólar americano está praticamente imparável e os seus efeitos colaterais fazem-se sentir com grande intensidade: o preço do petróleo (e de outras importantes matérias-primas), numa época que costuma ser de menor procura, está numa tendência de subida fortíssima batendo sucessivos records.
É que as maiores economias emergentes, que estão a registar um grande crescimento, têm enormes reservas na divisa americana e quando esta perde muito valor torna-se imprescindível aplicá-la na compra dos factores de produção de que esses países necessitam.
terça-feira, outubro 16, 2007
A economia do insucesso
Francamente, não sinto a nossa economia a crescer. Mas admito que as estatísticas que andam por aí possam encontrar uma leve tendência de crescimento. Não se vê bem onde nem se acredita numa situação sustentada que, em qualquer caso, não chega para evitar o nosso atraso relativamente à União Europeia, que já começa a ser um fado português.
Após o FMI ter revisto em baixa o crescimento económico de Portugal para 2008 , de 2,1% para 1,8%, vem agora Vítor Constâncio dizer que essas previsões são "excessivamente pessimistas". Para ele, devemos acreditar mais nas estimativas do Banco de Portugal que nos surpreende com uns mais substanciais 2,2%, embora acrescente "que subsistem riscos para a economia portuguesa".
Ficámos a saber que umas míseras 4 décimas de diferença constituem um excessivo pessimismo. Ao que nós chegámos: andamos a contar as migalhas, a esgrimir uns números que, mais tarde, se os pressupostos não se concretizarem, ainda podem ser muito piores.
segunda-feira, outubro 15, 2007
A nossa força
Hoje é "Blog Action Day" dedicado ao meio ambiente.
"Não estragar o ambiente " é um objectivo eminentemente social, especialmente se estamos a referir-nos à melhor preservação do nosso planeta. A palavra ambiente começa a estar um pouco gasta mas isso é o preço a pagar pela consciência que todos devemos ter sobre a necessidade de acautelar os problemas da qualidade de vida.
Com o nosso minúsculo quinhão, podemos ajudar activamente a não deixar problemas cada vez maiores para as gerações futuras.
Bom Dia!
domingo, outubro 14, 2007
Prémio de antiguidade?
Salvo raras excepções, há bastantes anos que o Prémio Nobel da Literatura vem sendo atribuído a escritores extremamente idosos, dando a ideia que a lentidão da ponderação da academia ultrapassa todas as medidas.
Conceder o Nobel a autores na parte final da sua vida, fazendo um último esforço para os apanhar ainda a tempo não é um exercício recomendável, dando a errada ideia de que se trata de um prémio de antiguidade.
A atribuição do prémio a Doris Lessing, para além de outras interrogações, põe a seguinte questão: se merecia o Nobel porque não o teve aos 57 em vez de aos 87?
sábado, outubro 13, 2007
Scolari e as vitórias morais
Como nós pensávamos que tinham ficado definitivamente para trás as vitórias morais, Scolari veio enfim colocar as coisas no caminho certo. Jogo após jogo em que devíamos ganhar mas em que, amedrontados, parados e confusos entregámos o empate aos nossos dois principais adversários.
Até parece que a reacção de Scolari contra o jogador sérvio teve a mesma génese: foi sem jeito, não foi carne nem peixe e mostrou mais desalento que intenção.
Será que Murtosa não vai baralhar mais a questão? Esperemos que as coisas não corram assim tão mal!
domingo, outubro 29, 2006
Crescimento de qualidade, precisa-se!
Na sua crónica deste sábado no Expresso, Daniel Bessa dá-nos uma interessante notícia quando nos informa que as organizações internacionais estimaram a nossa taxa de crescimento do PIB potencial em 1,4%. Este número médio, que mede as nossas capacidades no longo prazo, é extremamente baixo e, nas próprias palavras daquele economista, é “pior que os 4% do PIB de défice das contas públicas ou os 10% do PIB de défice das contas externas”.
Curiosamente, numa outra crónica da mesma edição daquele semanário, Daniel Amaral lembra-nos que o crescimento global vai fazer emergir dentro em pouco outras grandes potências económicas, como a China e a Índia, que passarão a ser superiores à União Europeia.
Falar num crescimento médio tão diminuto como esses lamentáveis 1,4%, leva-nos directamente à procura de uma causa lógica imediata para o que se passa em Portugal. Com a grande maioria dos investimentos em turismo, obras e construção e grandes superfícies comercias, não chegaremos a lado nenhum. Desta forma, cada vez será mais difícil crescer e nunca atingiremos qualquer nível minimamente adequado de qualidade de vida.
Pensando bem em tudo isto, há um aspecto não mencionado e que começa a assumir uma importância decisiva. É a qualidade do nosso crescimento. Não chega falar em investimentos produtivos, quando precisamos que eles sejam bastante reprodutivos, com alto valor acrescentado e em sectores de grande impacto tecnológico e industrial.
Considero que aqui se irá desenrolar a derradeira batalha a que o nosso país não poderá fugir.
domingo, outubro 22, 2006
Uma questão de bom senso
Será que o Estado Português chegou a esse triste patamar em que a falta de senso ganhou uma posição invejável de normalidade e até destaque?
O que poderemos dizer de um governo que não arranja outras soluções senão ir buscar dinheiro a quem mais precisa de ajuda?
Sim, porque em vez de – por exemplo - tributar os bancos de forma mais equitativa, carrega agora sobre os pensionistas que ganham mais de 435 euros por mês. E em relação aos deficientes de menores recursos, diminui-lhes o rendimento disponível de forma dramática que afectará ainda mais a sua vida.
Uma coisa é já não esperarmos nada do Estado, outra é assistirmos a esta cavalgada que nos conduz até níveis utópicos, em que o estilo de merceeiro faz tábua rasa de padrões de dignidade que passaram a ser inalcançáveis para um número cada vez maior de portugueses.
sábado, setembro 16, 2006
Bento XVI
Será que o Papa disse mesmo o que eu ouvi ontem de raspão no telejornal? Terei ouvido bem?
Com o respeito que é devido a uma pessoa que ocupa um cargo decisivo no mundo ocidental, tenho que dizer que o bom senso, aquela qualidade tão simples e necessária na vida de todos nós, esteve completamente alheia das palavras proferidas por Bento XVI.
Ainda me custa a acreditar!
quarta-feira, setembro 13, 2006
Profissionais da cassette
Passado o 11 de Setembro, é agora mais do que tempo de, friamente, tecer algumas considerações sobre a incrível forma como foi analisada aquela data no programa Clube de Jornalistas, há alguns dias atrás na 2. Para além de ser um escândalo que este canal público (sustentado por todos nós) possa ser usado como se fosse uma coutada particular, algumas personalidades ditas de esquerda, que se julgam donas de todas as verdades, conseguiram conspurcar intelectualmente aquele ambiente televisivo, atingindo níveis dramáticos de despudor e agudo facciosismo.
Estas pessoas ainda não perceberam que o problema do 11/9 deve ser tratado com humanidade, inteligência e bom senso, que os EUA não têm como sinónimo George W. Bush e que a verdadeira causa do terrorismo dos nossos dias tem uma base muito mais ideológica do que religiosa.
Como eles gostavam de nos obrigar a pensar como eles!
terça-feira, setembro 12, 2006
Como é que estamos?
O mundo estará mesmo a ficar um lugar menos perigoso? Embora vivamos sempre com a sombra (longínqua?) do terrorismo, parece que estamos numa fase de boas notícias – os capacetes azuis da ONU estão a caminho do Líbano, o Irão amolece as suas pretensões nucleares e a Europa está a iniciar uma nova fase de maior crescimento económico. Mesmo a nível interno, poderíamos afirmar que as coisas não vão completamente mal.
Só que cada vez o mês é mais longo para o dinheiro da maioria dos portugueses. Essa é que é a dura realidade. E como o problema não é do calendário pendurado na parede, onde os dias correm devagar, penso que estamos cada vez mais a rebentar pelas costuras.
Estou a ver que vamos levar estes anos todos a arrumar a casa e, a seguir, um qualquer rol de promessas eleitorais vai fazer estragar tudo de novo e voltaremos a problemas ainda maiores do que os actuais.
A contar os cêntimos
Na altura da criação do Euro, a Finlândia tomou a posição inequívoca de não pretender ser abastecida com moedas de 1 e 2 cêntimos, achando-as inúteis e sem valor. Vem isto a propósito da extraordinária decisão que a Galp tomou hoje de reduzir em 3 cêntimos a gasolina. Ou seja, na óptica dos finlandeses é como se não tivesse alterado nada.
Na prática, todos nós estamos conscientemente a ser obrigados a fazer figura de parvos. Ora vejamos. O petróleo baixou nos últimos trinta dias cerca de 16% e a nossa petrolífera tem o desplante de diminuir o preço da gasolina em 2% (!). Não há dúvida que a célebre fórmula usada para definir o preço dos combustíveis vendidos em Portugal, arduamente elaborada para acautelar os nossos queridos impostos, é um verdadeiro tratado de génio.
Azar do EXPRESSO
A intenção era boa, o tiro parecia certeiro. A ideia era colocar na 1ª página do "Economia" um artigo breve mas de longo alcance, claro e decisivo, com a chancela segura de um grande vulto da nossa praça.
Infelizmente, Miguel Cadilhe não correspondeu à expectativa. O seu texto é realmente curto como se impunha. No entanto, tem um conteúdo opaco, confuso na fraseologia, com preciosismos de linguagem a impedirem o fluir imperioso das palavras. Ler é um prazer quando os assuntos complexos se tornam simples, acessíveis e interessantes, revelando um genuíno trabalho de escrita. Aqui, pelo contrário, é a confusão que marca e aborrece.
Foi uma verdadeira oportunidade perdida!
terça-feira, agosto 15, 2006
Conto
O IMPREVISTO (Final)
Imediatamente a seguir, dois aparelhos de televisão, de tamanho gigante, faziam convergir a atenção de muita gente. Especialmente um deles, que parecia estar sintonizado para um programa noticioso, captava quase todos os olhares. A princípio, tive dificuldade em perceber o que se estava a passar. Pelas abertas entre as inúmeras cabeças que se mantinham à minha frente, pareceu-me divisar entrevistas frenéticas, recintos de bolsas de valores com uma agitação desusada e muitos quadros informativos que não conseguia perceber bem. O meu interesse ia crescendo até se transformar em enorme curiosidade profissional. Tudo se teria passado na tarde desse dia, exactamente durante o período em que não estivera a acompanhar os mercados.
Eu não estava apreensivo, longe disso, mas queria perceber exactamente o que acontecera e, lentamente, fui conseguindo aproximar-me das imagens até que fiquei consciente de toda a situação. Afinal, tudo aquilo me tocava bem de perto: o dólar americano que tinha estado a descer nas últimas semanas, de modo exagerado e muito especulativo, de repente tinha invertido e começara a subir com grande força. Como reflexo, durante a tarde desse dia, a pressão para a baixa do preço do ouro tinha sido imensa. Era a eterna dança entre o dólar e o ouro – normalmente, quando um sobe o outro desce. E como é nesta alturas que os grandes especuladores entram a matar, as cotações do ouro baixaram repentinamente, de uma forma excessiva, como se fosse necessário limpar o terreno, talvez para preparar novas compras posteriores, então já possíveis a baixo preço. E isto já me causava problemas, enormes problemas. As inúmeras operações de ouro que eu mantinha em carteira, tinham deixado de ficar defendidas e estavam em queda livre. Com as cotações a caírem em flecha, as minhas posições financeiras estavam a entrar num precipício e seriam dizimadas em grande parte sem qualquer piedade.
Tinha seguramente perdido uma fortuna. Quase todo o meu ouro se devia ter evaporado. Agora, precisava de ver os negócios relativos aos outros metais para poder concluir quanto teria de desviar do meu dinheiro, do meu verdadeiro dinheiro seguro, para acorrer a este prejuízo inesperado e desesperante.
A irritação e a impotência tomaram conta de mim. Ao lado do desejo de me afastar desta profissão, crescia dentro de mim a necessidade de vingar esta situação, de tentar recuperar o que o mercado me tinha tirado, de uma forma tão traiçoeira.
Ainda poderia eu sair desta crise com uma situação minimamente aceitável? Só o saberia ao certo depois de ver bem toda as minhas contas, contactar clientes, arrumar tudo. Era preciso fazer isso hoje, até ao fim do dia, desse dia que estava prestes a começar.
Inquieto, respirei fundo. O terceiro, talvez quarto, copo do meu cocktail estava agora quase no fim. Num passo pouco seguro, olhei em frente e vi, a curta distância, a indicação da outra porta de saída do bar, que dava para o lado oposto do edifício. Era tempo de partir. Dei o último gole na bebida e aproximei-me de um pequeno hall. O meu sobretudo já estava ali. Cumprimentei o empregado que me abriu a porta e não consegui evitar um olhar rápido para trás, pelo canto do olho. O bar ostentava o mesmo ar aconchegado e acolhedor que eu tinha sentido durante uma noite inteira. Eram quase sete horas da manhã e parecia que o tempo tinha voado.
Já no exterior, senti essa manhã fria de Outono a dar os primeiros passos. A rua, embora estreita e sinuosa, permitia ver uma claridade prometedora e os carros, ainda raros, deslizavam sem grandes pressas. Dei-me conta, à medida que andava, que o dia alvorecia muito depressa. Acelerei a marcha, levantando a gola do sobretudo. O vento frio e seco entretinha-se a fazer levantar do chão as folhas mortas, com pequenas rajadas vigorosas.
O IMPREVISTO (Final)
Imediatamente a seguir, dois aparelhos de televisão, de tamanho gigante, faziam convergir a atenção de muita gente. Especialmente um deles, que parecia estar sintonizado para um programa noticioso, captava quase todos os olhares. A princípio, tive dificuldade em perceber o que se estava a passar. Pelas abertas entre as inúmeras cabeças que se mantinham à minha frente, pareceu-me divisar entrevistas frenéticas, recintos de bolsas de valores com uma agitação desusada e muitos quadros informativos que não conseguia perceber bem. O meu interesse ia crescendo até se transformar em enorme curiosidade profissional. Tudo se teria passado na tarde desse dia, exactamente durante o período em que não estivera a acompanhar os mercados.
Eu não estava apreensivo, longe disso, mas queria perceber exactamente o que acontecera e, lentamente, fui conseguindo aproximar-me das imagens até que fiquei consciente de toda a situação. Afinal, tudo aquilo me tocava bem de perto: o dólar americano que tinha estado a descer nas últimas semanas, de modo exagerado e muito especulativo, de repente tinha invertido e começara a subir com grande força. Como reflexo, durante a tarde desse dia, a pressão para a baixa do preço do ouro tinha sido imensa. Era a eterna dança entre o dólar e o ouro – normalmente, quando um sobe o outro desce. E como é nesta alturas que os grandes especuladores entram a matar, as cotações do ouro baixaram repentinamente, de uma forma excessiva, como se fosse necessário limpar o terreno, talvez para preparar novas compras posteriores, então já possíveis a baixo preço. E isto já me causava problemas, enormes problemas. As inúmeras operações de ouro que eu mantinha em carteira, tinham deixado de ficar defendidas e estavam em queda livre. Com as cotações a caírem em flecha, as minhas posições financeiras estavam a entrar num precipício e seriam dizimadas em grande parte sem qualquer piedade.
Tinha seguramente perdido uma fortuna. Quase todo o meu ouro se devia ter evaporado. Agora, precisava de ver os negócios relativos aos outros metais para poder concluir quanto teria de desviar do meu dinheiro, do meu verdadeiro dinheiro seguro, para acorrer a este prejuízo inesperado e desesperante.
A irritação e a impotência tomaram conta de mim. Ao lado do desejo de me afastar desta profissão, crescia dentro de mim a necessidade de vingar esta situação, de tentar recuperar o que o mercado me tinha tirado, de uma forma tão traiçoeira.
Ainda poderia eu sair desta crise com uma situação minimamente aceitável? Só o saberia ao certo depois de ver bem toda as minhas contas, contactar clientes, arrumar tudo. Era preciso fazer isso hoje, até ao fim do dia, desse dia que estava prestes a começar.
Inquieto, respirei fundo. O terceiro, talvez quarto, copo do meu cocktail estava agora quase no fim. Num passo pouco seguro, olhei em frente e vi, a curta distância, a indicação da outra porta de saída do bar, que dava para o lado oposto do edifício. Era tempo de partir. Dei o último gole na bebida e aproximei-me de um pequeno hall. O meu sobretudo já estava ali. Cumprimentei o empregado que me abriu a porta e não consegui evitar um olhar rápido para trás, pelo canto do olho. O bar ostentava o mesmo ar aconchegado e acolhedor que eu tinha sentido durante uma noite inteira. Eram quase sete horas da manhã e parecia que o tempo tinha voado.
Já no exterior, senti essa manhã fria de Outono a dar os primeiros passos. A rua, embora estreita e sinuosa, permitia ver uma claridade prometedora e os carros, ainda raros, deslizavam sem grandes pressas. Dei-me conta, à medida que andava, que o dia alvorecia muito depressa. Acelerei a marcha, levantando a gola do sobretudo. O vento frio e seco entretinha-se a fazer levantar do chão as folhas mortas, com pequenas rajadas vigorosas.
Conto
O IMPREVISTO (Final)
Imediatamente a seguir, dois aparelhos de televisão, de tamanho gigante, faziam convergir a atenção de muita gente. Especialmente um deles, que parecia estar sintonizado para um programa noticioso, captava quase todos os olhares. A princípio, tive dificuldade em perceber o que se estava a passar. Pelas abertas entre as inúmeras cabeças que se mantinham à minha frente, pareceu-me divisar entrevistas frenéticas, recintos de bolsas de valores com uma agitação desusada e muitos quadros informativos que não conseguia perceber bem. O meu interesse ia crescendo até se transformar em enorme curiosidade profissional. Tudo se teria passado na tarde desse dia, exactamente durante o período em que não estivera a acompanhar os mercados.
Eu não estava apreensivo, longe disso, mas queria perceber exactamente o que acontecera e, lentamente, fui conseguindo aproximar-me das imagens até que fiquei consciente de toda a situação. Afinal, tudo aquilo me tocava bem de perto: o dólar americano que tinha estado a descer nas últimas semanas, de modo exagerado e muito especulativo, de repente tinha invertido e começara a subir com grande força. Como reflexo, durante a tarde desse dia, a pressão para a baixa do preço do ouro tinha sido imensa. Era a eterna dança entre o dólar e o ouro – normalmente, quando um sobe o outro desce. E como é nesta alturas que os grandes especuladores entram a matar, as cotações do ouro baixaram repentinamente, de uma forma excessiva, como se fosse necessário limpar o terreno, talvez para preparar novas compras posteriores, então já possíveis a baixo preço. E isto já me causava problemas, enormes problemas. As inúmeras operações de ouro que eu mantinha em carteira, tinham deixado de ficar defendidas e estavam em queda livre. Com as cotações a caírem em flecha, as minhas posições financeiras estavam a entrar num precipício e seriam dizimadas em grande parte sem qualquer piedade.
Tinha seguramente perdido uma fortuna. Quase todo o meu ouro se devia ter evaporado. Agora, precisava de ver os negócios relativos aos outros metais para poder concluir quanto teria de desviar do meu dinheiro, do meu verdadeiro dinheiro seguro, para acorrer a este prejuízo inesperado e desesperante.
A irritação e a impotência tomaram conta de mim. Ao lado do desejo de me afastar desta profissão, crescia dentro de mim a necessidade de vingar esta situação, de tentar recuperar o que o mercado me tinha tirado, de uma forma tão traiçoeira.
Ainda poderia eu sair desta crise com uma situação minimamente aceitável? Só o saberia ao certo depois de ver bem toda as minhas contas, contactar clientes, arrumar tudo. Era preciso fazer isso hoje, até ao fim do dia, desse dia que estava prestes a começar.
Inquieto, respirei fundo. O terceiro, talvez quarto, copo do meu cocktail estava agora quase no fim. Num passo pouco seguro, olhei em frente e vi, a curta distância, a indicação da outra porta de saída do bar, que dava para o lado oposto do edifício. Era tempo de partir. Dei o último gole na bebida e aproximei-me de um pequeno hall. O meu sobretudo já estava ali. Cumprimentei o empregado que me abriu a porta e não consegui evitar um olhar rápido para trás, pelo canto do olho. O bar ostentava o mesmo ar aconchegado e acolhedor que eu tinha sentido durante uma noite inteira. Eram quase sete horas da manhã e parecia que o tempo tinha voado.
Já no exterior, senti essa manhã fria de Outono a dar os primeiros passos. A rua, embora estreita e sinuosa, permitia ver uma claridade prometedora e os carros, ainda raros, deslizavam sem grandes pressas. Dei-me conta, à medida que andava, que o dia alvorecia muito depressa. Acelerei a marcha, levantando a gola do sobretudo. O vento frio e seco entretinha-se a fazer levantar do chão as folhas mortas, com pequenas rajadas vigorosas.
O IMPREVISTO (Final)
Imediatamente a seguir, dois aparelhos de televisão, de tamanho gigante, faziam convergir a atenção de muita gente. Especialmente um deles, que parecia estar sintonizado para um programa noticioso, captava quase todos os olhares. A princípio, tive dificuldade em perceber o que se estava a passar. Pelas abertas entre as inúmeras cabeças que se mantinham à minha frente, pareceu-me divisar entrevistas frenéticas, recintos de bolsas de valores com uma agitação desusada e muitos quadros informativos que não conseguia perceber bem. O meu interesse ia crescendo até se transformar em enorme curiosidade profissional. Tudo se teria passado na tarde desse dia, exactamente durante o período em que não estivera a acompanhar os mercados.
Eu não estava apreensivo, longe disso, mas queria perceber exactamente o que acontecera e, lentamente, fui conseguindo aproximar-me das imagens até que fiquei consciente de toda a situação. Afinal, tudo aquilo me tocava bem de perto: o dólar americano que tinha estado a descer nas últimas semanas, de modo exagerado e muito especulativo, de repente tinha invertido e começara a subir com grande força. Como reflexo, durante a tarde desse dia, a pressão para a baixa do preço do ouro tinha sido imensa. Era a eterna dança entre o dólar e o ouro – normalmente, quando um sobe o outro desce. E como é nesta alturas que os grandes especuladores entram a matar, as cotações do ouro baixaram repentinamente, de uma forma excessiva, como se fosse necessário limpar o terreno, talvez para preparar novas compras posteriores, então já possíveis a baixo preço. E isto já me causava problemas, enormes problemas. As inúmeras operações de ouro que eu mantinha em carteira, tinham deixado de ficar defendidas e estavam em queda livre. Com as cotações a caírem em flecha, as minhas posições financeiras estavam a entrar num precipício e seriam dizimadas em grande parte sem qualquer piedade.
Tinha seguramente perdido uma fortuna. Quase todo o meu ouro se devia ter evaporado. Agora, precisava de ver os negócios relativos aos outros metais para poder concluir quanto teria de desviar do meu dinheiro, do meu verdadeiro dinheiro seguro, para acorrer a este prejuízo inesperado e desesperante.
A irritação e a impotência tomaram conta de mim. Ao lado do desejo de me afastar desta profissão, crescia dentro de mim a necessidade de vingar esta situação, de tentar recuperar o que o mercado me tinha tirado, de uma forma tão traiçoeira.
Ainda poderia eu sair desta crise com uma situação minimamente aceitável? Só o saberia ao certo depois de ver bem toda as minhas contas, contactar clientes, arrumar tudo. Era preciso fazer isso hoje, até ao fim do dia, desse dia que estava prestes a começar.
Inquieto, respirei fundo. O terceiro, talvez quarto, copo do meu cocktail estava agora quase no fim. Num passo pouco seguro, olhei em frente e vi, a curta distância, a indicação da outra porta de saída do bar, que dava para o lado oposto do edifício. Era tempo de partir. Dei o último gole na bebida e aproximei-me de um pequeno hall. O meu sobretudo já estava ali. Cumprimentei o empregado que me abriu a porta e não consegui evitar um olhar rápido para trás, pelo canto do olho. O bar ostentava o mesmo ar aconchegado e acolhedor que eu tinha sentido durante uma noite inteira. Eram quase sete horas da manhã e parecia que o tempo tinha voado.
Já no exterior, senti essa manhã fria de Outono a dar os primeiros passos. A rua, embora estreita e sinuosa, permitia ver uma claridade prometedora e os carros, ainda raros, deslizavam sem grandes pressas. Dei-me conta, à medida que andava, que o dia alvorecia muito depressa. Acelerei a marcha, levantando a gola do sobretudo. O vento frio e seco entretinha-se a fazer levantar do chão as folhas mortas, com pequenas rajadas vigorosas.
sexta-feira, agosto 04, 2006
Conto
O IMPREVISTO (parte 7)
Acabada a corrida, prossegui. Ultrapassei mais outra sala e apeteceu-me sentar durante algum tempo, só para pensar um pouco. Escolhi o recanto mais na penumbra onde havia um conjunto de sofás com um lugar vago ao lado de um homem e uma mulher que trocavam opiniões em surdina e de outro homem, solitário, que fumava quase religiosamente o seu charuto. Fechei os olhos, o cheiro do tabaco era intenso mas não deixava de ser agradável. O fumo, generosamente soprado mesmo a meu lado, subia rapidamente puxado pelo sistema de exaustão do ar e ficava unicamente o aroma, agradável e inofensivo, a encher o ambiente e a iluminar as ideias. Sempre gostei da forte fragrância dos bons charutos ainda que só muito raramente fume algum. Mas uma coisa é certa: ao fumar um charuto excepcional, o nosso cérebro parece erguer-se a níveis mais elevados, que passam a ser miraculosamente a ser acessíveis sem qualquer recurso ao nosso esforço ou vontade. Hei-de me lembrar de experimentar mais vezes.
Esta paragem fez-me bem. Continuei a andar, vagarosamente, como se estivesse numa grande festa e ainda procurasse caras conhecidas, tentando integrar-me no ambiente. Estava já a aproximar-me da área mais aberta do bar, onde um conjunto musical acompanhava intérpretes talentosos, embora completamente desconhecidos para mim. Apesar disso, a sua extraordinária capacidade interpretativa constituía um autêntico presente para quem tivesse a oportunidade de permanecer ali. Era uma sonoridade com muita cor. Nesse momento, uma cantora de ar nórdico, acompanhada ao piano, começou a apresentar canções de Kurt Weill. Assombroso! Tive de ficar ali um pouco mais.
Passei a outra sala. Mais adiante, todos estavam sentados em semi-círculo olhando para um écran gigante de uma nitidez fotográfica que passava um filme que me obrigou a parar. Cheguei na altura em que o protagonista, um homem magro e muito determinado, caminha literalmente a direito, em linha recta, no meio da terra seca e rochosa, desértica e a perder de vista.
- “Paris, Texas”. Começou agora mesmo – informou-me uma senhora simpática. Sem voltar a cabeça, sorri-lhe agradecido, embora tivesse percebido logo qual era o filme. Toda a minha atenção estava dirigida para essas cenas iniciais. Aquele homem tem um objectivo de tal forma interiorizado, quase obsessivo. Para o alcançar, teima em empreender uma caminhada irracionalmente longa e penosa que, a certa altura, se torna impossível de completar. A partir dali todo o filme me surgiu na memória e decidi andar mais um pouco.
O IMPREVISTO (parte 7)
Acabada a corrida, prossegui. Ultrapassei mais outra sala e apeteceu-me sentar durante algum tempo, só para pensar um pouco. Escolhi o recanto mais na penumbra onde havia um conjunto de sofás com um lugar vago ao lado de um homem e uma mulher que trocavam opiniões em surdina e de outro homem, solitário, que fumava quase religiosamente o seu charuto. Fechei os olhos, o cheiro do tabaco era intenso mas não deixava de ser agradável. O fumo, generosamente soprado mesmo a meu lado, subia rapidamente puxado pelo sistema de exaustão do ar e ficava unicamente o aroma, agradável e inofensivo, a encher o ambiente e a iluminar as ideias. Sempre gostei da forte fragrância dos bons charutos ainda que só muito raramente fume algum. Mas uma coisa é certa: ao fumar um charuto excepcional, o nosso cérebro parece erguer-se a níveis mais elevados, que passam a ser miraculosamente a ser acessíveis sem qualquer recurso ao nosso esforço ou vontade. Hei-de me lembrar de experimentar mais vezes.
Esta paragem fez-me bem. Continuei a andar, vagarosamente, como se estivesse numa grande festa e ainda procurasse caras conhecidas, tentando integrar-me no ambiente. Estava já a aproximar-me da área mais aberta do bar, onde um conjunto musical acompanhava intérpretes talentosos, embora completamente desconhecidos para mim. Apesar disso, a sua extraordinária capacidade interpretativa constituía um autêntico presente para quem tivesse a oportunidade de permanecer ali. Era uma sonoridade com muita cor. Nesse momento, uma cantora de ar nórdico, acompanhada ao piano, começou a apresentar canções de Kurt Weill. Assombroso! Tive de ficar ali um pouco mais.
Passei a outra sala. Mais adiante, todos estavam sentados em semi-círculo olhando para um écran gigante de uma nitidez fotográfica que passava um filme que me obrigou a parar. Cheguei na altura em que o protagonista, um homem magro e muito determinado, caminha literalmente a direito, em linha recta, no meio da terra seca e rochosa, desértica e a perder de vista.
- “Paris, Texas”. Começou agora mesmo – informou-me uma senhora simpática. Sem voltar a cabeça, sorri-lhe agradecido, embora tivesse percebido logo qual era o filme. Toda a minha atenção estava dirigida para essas cenas iniciais. Aquele homem tem um objectivo de tal forma interiorizado, quase obsessivo. Para o alcançar, teima em empreender uma caminhada irracionalmente longa e penosa que, a certa altura, se torna impossível de completar. A partir dali todo o filme me surgiu na memória e decidi andar mais um pouco.
Subscrever:
Mensagens (Atom)